O manifesto do chorume contra o cinema inorgânico, putrefato e jabazento que infesta e como um cancro domina o organismo da cultura culátrica cinematográfica nacional.
Nosso país tem seu cinema underground, seu cinema independente, seu cinema antropofágico, mas a sociedade ainda se apega na podridão do cinema de novela, no jornal sensacionalista disfarçado de obra cinematográfica, na propaganda de comidas, shampoo e camisinha outrora chamado de "O Cinema Nacional". De dentro deste caldo necrosado de pus e fluídos corporais fétidos nasce o Kinochorume, visando agregar um novo ponto de vista dentro deste grande baile de gala na galeria de esgotos desta terra sem amor e sem leis chamada Brasil.
Eu proponho tais entranhas para uma nova visão de orbitas sangrantes sob o panorama audiovisual brésileiro:
I- da DIREÇÃO:
Os diretores da estética Kinochorume devem dirigir desde a concepção, deixando os demais envolvidos livres durante a execução criando assim uma atmosférica mais organica e instintiva, distanciando-se das regras tradicionais de ensaios exaustivos e marcação que tornam o cinema muitas vezes algo mecânico, escancarado e vomitado sobre nossos olhos. O diretor deve dirigir os atores e equipe antes, limitando-se apenas a confirmar ou excluir um plano ou uma atuação equívocada. Tudo deve fluir como um corpo vivo.
II- da PRODUÇÃO:
As produções podem ter ou não um produtor executivo, podem ter ou não apoio financeiro. De qualquer maneira, tudo deve ser empregado sempre respeitando a estética e os fundamentos deste estilo não atual, porém não padronizado de se produzir peças audiovisuais.
Os filmes podem ser amadores ou profissionais, ricos ou pobres, feitos por diretores de formação ou por amadores de coração. O importante é vomitar sua arte.
III- da FOTOGRAFIA
Utilizar-se de quaisquer meios de captação para sua obra. VHS, SVHS, 8mm, 16mm, 35mm, MiniDV, DVI, Celular, Webcam, Máquinas Fotográficas, tudo é válido, potando-se sempre para o equipamento que pode lhe oferecer a fotografia mais suja, fétida e horrível.
As imagens de uma produção de Kinochorume devem ser sujas e limpas, claras e escuras, nítidas e embaçadas de acordo com a proposta do Mise-en-Scéne.
Tripés não devem ser usados a não ser como último recurso, assim como planos gerais, caso não sejam parte essencial do filme. O Kinochorume começa no Plano Médio e se encerra no Primeiríssimo Plano Ginecológico da Gonorréia infecciosa.
As cores são opcionais e supervalorizadas. Devem ser usadas apenas se forem essenciais na narrativa, no demais o preto e branco é o padrão que visa trazer o primitivismo do cinema puro do início do século XX, onde a experimentação ainda era a fonte de alimentação do sistema digestivo de um cinema vivo, com pulmões bombando ar fresco para irrigar este sistema em sua juventude.
IV- do SOM:
Utilização ou não se microfones externos para a captação do Som (DAT, BOOM, DIGITAL). Sempre preferir a pior fonte de captação mas que passe clareza do que estará tentando demonstrar (sons sujos com diálogos compreensíveis). Por via de regra os microfones embutidos nas câmeras fotográficas e filmadoras são sempre uma boa opção.
Velhos gravadores de fitas K7 também podem promover captaçõea alternativas de som.
As músicas das produções devem sempre ter ligação total e direta com o que está sendo contato, oras, uma música "death metal" pode não combinar com uma cena de matança, assim como uma passagem de piano pode não combinar com uma cena de drama. Tente sempre optar por fazer sua própria trilha musical, seja ela através de vocalizações ou de uso de softwares de simples operação. Gravação de instrumentos também é recomendado e aconselhado.
Os Efeitos Sonoros devem sempre ser feitos por você mesmo (na medida das possibilidades) através de processos simples de gravação de som direto na placa de um computador.
Os sons durante a edição dos mesmos devem sempre contar com ruídos auxiliares que causem sensações (vide bineural sounds), busque sempre inserir infrasons ou camadas e mais camadas quase imperceptíveis de sons, criando uma rica rede de sensações auditivas.
V- da MONTAGEM:
Por via de regra, deverá sempre buscar linhas não convencionais de montagens, utilizando-se de recursos como descontinuidade de espaço-tempo, extensão e compressão do espaço-tempo, Jump Cuts e Raccords não convencionais. Elipses definidas e indefinidas são sempre coerentes com a narrativa.
O uso de flashbacks é extremamente desnecessários, fazendo-se uso das elipses para efetuarem esta função.
VI- da EQUIPE
Buscar sempre trabalhar com não-atores ou com atores que se identifiquem e se comprometam com os projetos, acima de todos conceitos morais, imorais, religiosos, pagãos e orgânicos. Quando possível deverá se pagar um valor justo pelo trabalho, quando não for possível, utilizemos o amor a arte como incentivo. Nossos filmes não buscarão agradar ao pagante, mas ao amante.
Este conceito sobre os atores podem ser aplicados ao resto da equipe.
VII- da DISTRIBUIÇÃO
Os filmes podem ou não serem distribuídos por quaisquer meios, sejam eles via internet, de mão-em-mão, via distribuidoras ou mesmo através de festivais.
Por via de regra disponibilizar sempre os filmes da internet para download, mesmo quando festivais exigem que os mesmo sejam ainda inéditos em quaisquer canais.
VIII- dos FESTIVAIS
Enviar para mostras competitivas e não-competitivas de festivais do território nacional e estrangeiro, sempre optando por aqueles que não capitalizam em cima das inscrições ou que exigem para si os louros das premieres das obras.
Ao prender seu filmes para um festival, estarás automaticamente prostituindo-se e igualando-se a corja corrupta que permeia nosso cinema.
É desejável que os filmes ao serem "upados" para a internet, não sejam amplamente divulgados, deixando que ele siga um ciclo orgânico de ascensão ou esquecimento. No Kinochorume você não deverá buscar público, mas sim deixará que o público naturalmente te encontre.
IX- das EXIBIÇÕES
Os filmes poderão ser exibidos em qualquer formato e em qualquer lugar, sejam em igrejas, bares, casas noturnas, favelas, escolas, teatros, celulares, etc. É importante apenas que a obra seja vista.
X- dos TEMAS/ROTEIROS
Os filmes devem falar do horror do corpo humano, do horror da sociedade fria e consumista a qual vivemos, do terror de amar e do terror de se estar sozinho. Do medo, da paranóia e da loucura que domina a população dos grandes centros.
Devemos falar sobre a opressão da religião, do horror do catecismo e da lavagem cerebral e das insanidades cometidas nos pequenos centos e nas zonas rurais.
Em suma, devemos deixar nossos monstros caricatos e mágicos para trás e nos concentrarmos no monstro do automóvel, no monstro do alimento gorduroso que entope o miocárdio, no horror da fila de espera agonizante dos hospitais hiperlotados, do medo do bandido armado e da infecção sexualmente transmissível. Do amor ao podre e da podridão do belo.
Falaremos sobre a sujeira do limpo e da limpeza do imundo.
Isso é Fritz P. Hyde e este é o Kinochorume.